Remanescentes da Mata Atlântica na região abrigam grande número de espécies endêmicas e nascentes que ajudam a abastecer as cidades do Vale do Paraíba e o município do Rio de Janeiro (foto: Mantiqueira Viva)
Especiais
24/04/2014
Por Karina Toledo
Agência FAPESP – Além de abrigar um grande número de espécies animais e vegetais endêmicas, muitas delas ameaçadas de extinção, os remanescentes florestais da Serra da Mantiqueira garantem grande parte da água que abastece as populações e as indústrias das cidades do Vale do Paraíba (no leste do estado de São Paulo e no sul do estado do Rio de Janeiro) e da capital fluminense.
Na avaliação de integrantes do Programa de Pesquisas em Caracterização, Conservação, Restauração e Uso Sustentável da Biodiversidade do Estado de São Paulo (BIOTA-FAPESP), interromper o processo de degradação pelo qual a região passa é, portanto, fundamental para evitar não apenas uma irreparável perda de biodiversidade como também o agravamento, no futuro, de crises hídricas como a que atualmente afeta a região Sudeste.
“Não seria possível, no momento, criar uma área de grande restrição ambiental, como um parque estadual, pois isso requereria desapropriações de terras e teria um grande custo para o Estado. Mas defendemos o tombamento das regiões acima de 800 metros de altitude, o que regulamentaria as atividades a serem realizadas sem impedir o desenvolvimento”, afirmou Carlos Alfredo Joly, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenador do Programa BIOTA-FAPESP.
Ao lado do ambientalista Fábio Feldmann, Joly foi um dos organizadores do movimentoMantiqueira Viva, que promove desde março deste ano um abaixo-assinado pedindo o tombamento da Serra da Mantiqueira como patrimônio ambiental com o intuito de aumentar a proteção de um corredor de 45 mil hectares de remanescentes florestais existentes entre o Parque Nacional do Itatiaia e o Parque Estadual de Campos do Jordão. A petição já conta com mais de 5 mil assinaturas.
Segundo Joly, a proposta de tombamento foi apresentada inicialmente em 2011 e, desde então, vem sendo analisada pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat) da Secretaria Estadual de Cultura. Um primeiro parecer da equipe técnica da Unidade de Proteção do Patrimônio Histórico (UPPH) foi negativo à abertura do processo. Os defensores da proposta decidiram se mobilizar para evitar seu arquivamento definitivo.
Na prática, o tombamento não aumenta o nível de proteção da mata – apenas referenda a legislação já existente e representa uma nova barreira para eventuais mudanças, proibindo que o local seja destruído ou descaracterizado. Desde 1985, a Mantiqueira é considerada uma Área de Proteção Ambiental (APA) federal (categoria de unidade de conservação menos restritiva), mas até hoje não tem plano de manejo.
A região inserida na proposta abrange áreas de florestas contínuas nas encostas mais elevadas, as florestas com araucária da região do planalto e os campos de altitude da Serra da Mantiqueira Paulista que ficam na divisa de Minas Gerais com os municípios de Pindamonhangaba, Guaratinguetá, Piquete, Cruzeiro, Lavrinhas e Queluz.
Toda essa área está inserida no mapa “Áreas Prioritárias para Incremento da Conectividade”, elaborado pelo BIOTA-FAPESP, e foi considerada pelos cientistas como Área da Mais Alta Relevância Ecológica, prioritária para a conservação da biodiversidade, para a criação de áreas protegidas e para o incremento da conectividade (leia mais em:http://www.biota.org.br/?p=4906).
Além disso, em um estudo internacional publicado em novembro de 2013 na revista Science, a Serra da Mantiqueira foi apontada como um dos 78 locais mundiais “insubstituíveis” para a preservação da biodiversidade global de mamíferos, aves e anfíbios (outros três pontos brasileiros apontados no artigo foram: a Serra do Mar, também na Mata Atlântica; e o Vale de Javari e o Alto Rio Negro, na Amazônia).
Ameaças
De acordo com Joly, uma das principais ameaças aos remanescentes de Mata Atlântica na região da Mantiqueira é a expansão da mineração de bauxita para a produção de alumínio e de outros minerais, principalmente perto da divisa do Rio de Janeiro com os municípios de Lavrinhas e Queluz.
O pesquisador também menciona a extração ilegal de madeira, palmito, bromélias e orquídeas; a caça de espécies ameaçadas de extinção, como o macuco (Tinamus solitarius), a araponga (Procnias nudicollis), o sabiá-cica (Triclaria malachitacea), o muriqui (Brachyteles arachnoides) e o bugio (Alouatta guariba); a especulação imobiliária; e o descarte inadequado de lixo urbano e de resíduos da mineração.
“Diversas espécies associadas às matas de araucárias e aos campos de altitude só ocorrem nessas áreas mais altas da Mantiqueira, sendo estas os únicos refúgios desta fauna em nosso Estado. Muitas dessas populações são os remanescentes de grupos de animais do sul do Brasil e dos Andes, um resquício isolado de um passado remoto quando as temperaturas eram mais baixas em toda a América do Sul”, afirmou André Victor Lucci Freitas, professor da Unicamp e membro da coordenação do Programa BIOTA-FAPESP.
Ainda segundo Freitas, 20 das 55 espécies de borboletas do Brasil ameaçadas de extinção encontram refúgio na Serra da Mantiqueira. Muitas dessas espécies possuem populações pequenas e frágeis, sendo facilmente eliminadas quando ocorre perturbação antrópica, como queimadas constantes, plantio de pinheiros e eucaliptos e poluição dos corpos d´água.
“Trabalhos recentes na Serra da Mantiqueira têm revelado diversas espécies desconhecidas para a ciência, muitas delas já ameaçadas antes mesmo de serem descritas. Em anos recentes, temos observado a extinção local das populações de diversas dessas espécies na região da Mantiqueira. Se não houver um plano para conservação de toda a região, com um bom zoneamento, uma porção importante da fauna paulista desaparecerá para sempre do nosso estado”, disse Freitas.
Na avaliação de Célio Fernando Baptista Haddad, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Rio Claro, os ambientes de encostas e topos de serras e montanhas vêm funcionando, no curso da história evolutiva, como verdadeiros berçários de espécies. Essa condição, segundo ele, faz com que os ambientes altitudinais sejam muito frágeis e particularmente suscetíveis às degradações antrópicas – com o agravante de que a recuperação dessas áreas é mais difícil, cara e complexa.
“Os pontos culminantes da Mata Atlântica são encontrados na Serra da Mantiqueira, onde podemos observar uma fauna particular que resulta de um grau de endemismos mais elevado que o das áreas vizinhas, em altitudes menores. Assim, a conservação de remanescentes de Mata Atlântica é urgente e, dentre estas áreas, aquelas localizadas nas altitudes mais elevadas, como na Serra da Mantiqueira, devem ser priorizadas”, afirmou Haddad.
O especialista em recursos hídricos José Galizia Tundisi, do Instituto Internacional de Ecologia, lembra que o rico sistema aquático da Serra da Mantiqueira é um dos poucos ainda bem preservados no Estado de São Paulo e contribui para o abastecimento das bacias hidrográficas do Rio Paraíba do Sul, Rio Tietê e Rio Grande.
“A degradação desses mananciais poderia comprometer tanto a quantidade como a qualidade da água para os municípios da região. Sabemos hoje que as nascentes e a floresta têm papel fundamental na qualidade da água”, afirmou Tundisi.
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